As condenações bíblicas e o Espiritismo
Esse Capelli
Os nossos irmãos que se apegam ao texto bíblico,
como a única norma para a vida e a morte sempre trazem engatilhada uma sentença
condenatória para o Espírita, com a agravante de ser inapelável e eterna.
Citam, inclusive, passagens da Bíblia que, segundo
eles, condenam o Espiritismo.
Em duas diferentes ocasiões tive a oportunidade de
refutar estas investidas contra a Doutrina Espírita.
CASO 1
Confesso que sou um ignorante, sem as luzes das
letras, mas não gosto de ser levado pelo cabresto, para aceitar isto ou aquilo.
Certo dia estive presente a um diálogo travado
entre dois religiosos, indiscutivelmente profundos conhecedores da Bíblia, a
qual designavam por Palavra de Deus. Eu ouvia e eles falavam. Dissertavam sobre
o significado de várias passagens bíblicas, demorando-se sobre o pecado, as
penas eternas, a salvação e sobre a criação artesanal do Universo, por um Deus
que criara o homem "à Sua imagem e semelhança". Dando por minha
insignificante presença, interpelaram-me.
- E você, já aceitou a Palavra de Deus? Já leu a
Bíblia?
- Já, eu sou Espírita.
- E não se deu conta da condenação dos necromantes
às penas eternas?
- Meus irmãos eu não compreendi certas coisas que
li na Bíblia. Em Êxodo, cap. XX, vv. 13, a Tábua dos Mandamentos que Moisés
acabava de trazer do Sinai, diz: "Não matarás" e, logo a seguir, no
mesmo livro, no cap. XXVII está escrito: "Assim diz o Senhor, o Deus de
Israel, cada um tomará a espada sobre o lado, passai e tomai a passar pelo
arraial, de porta em porta, e mate a cada um a seu irmão, cada um a seu amigo e
cada um a seu vizinho". Isso é justo? Manda não matar e logo a seguir
manda passar ao fio da espada, irmãos, vizinhos e amigos?
Em l Reis, cap. XXII, vv. 19 a 23, encontramos o
Senhor associando-se com espírito mentiroso para enganar o Acabe e, no vv. 23
está escrito que: "Eis que o Senhor pôs o espírito mentiroso na boca de
todos estes teus profetas e o Senhor falou o que é mau contra ti."
Também nas Sagradas Palavras, encontrei no cap. II
do Evangelista João, a narrativa de um Cristo espancando os que se aglutinavam
no pátio do templo, vendendo pombas, enquanto desconhecia os gordos sacerdotes
que o dirigiam, mesmo havendo o Mestre exortado à prática infinita do perdão.
Tudo isso e muitas outras coisas contraditórias que
encontrei na Bíblia, me fazem preferir o Espiritismo, que nos ensina a confiar
num Pai verdadeiramente amoroso, que não condena seus filhos ao fogo do Inferno
e a nenhuma pena eterna e num Cristo manso, suave, amigo, que não espanca e não
condena, mas que ensina e admoesta seus filhos à prática do bem. Por isso sou
Espírita.
- Isso é uma demonstração de desconhecimento da
Palavra de Deus, que só é revelada aos que crêem. Creia, meu amigo e ela te
será revelada.
- Crer para depois ter a revelação, é fé cega,
irracional e imposta, eu prefiro receber a revelação, para então, depois de
esclarecido, acreditar. Isso é fé racional, convicta, aceita, sem imposições,
como ensina o Espiritismo.
E encerrou-se ali o diálogo.
CASO 2
De outra feita, um grupo de irmãos evangélicos
deu-me a honra de sua presença em minha casa. Atendidos, pediram, educadamente
para entrar.
- Nós sabemos que o senhor é espírita e gostaríamos
de falar-lhe sobre o plano do Senhor para salvá-lo.
- Mas eu não estou perdido!
- Meu amigo, se o senhor não mudar a sua convicção
religiosa, aceitando Cristo como seu Salvador, certamente perderá a sua alma.
- Onde você encontrou essa sentença? Questionei ao
meu interlocutor.
- Na Bíblia, em Deuteronômio, cap. XVIII, vv. 11 e
12, o Senhor condena e ordena o lançamento fora, dos necromantes e feiticeiros,
o que significa lançá-los nas chamas eternas do Inferno.
- Meus irmãos, respondi, se querem, realmente,
obedecer ao mandamento bíblico, não basta a sentença de morte para os
espíritas, é preciso que vocês passem a matar os necromantes e feiticeiros,
corno está em Levítico, cap. XX, vv. 27, ou a cumprir o que ordena o Senhor em
Êxodo cap. XXXV, vv. 2, matando os que trabalham no sábado, ou, ainda, lançando
os nossos irmãos leprosos para fora das cidades, como é ordenado em Números,
cap. V, vv. 1 a 4. Meus irmãos eu creio que Deus, o manancial infinito de amor
e sabedoria, não se prestaria a cometer tantas maldades.
Um dos componentes do grupo, mulher inteligente e
bem falante, observou que, não sendo eu agraciado com a revelação, não poderia
interpretar o verdadeiro significado da Palavra de Deus.
- É verdade, respondi, eu não recebi nenhuma revelação,
apenas li a Bíblia e, nela, também, no Novo Testamento eu encontrei em I
Coríntios, cap. XlV, vv. 34 e 35, que a mulher deve permanecer calada e em seu
lar, não lhe sendo permitido falar em público; entretanto, vejo, até com certo
agrado, que a irmã não obedeceu às sentenças bíblicas, preferindo ser livre
para poder propagar a sua fé. Por isso, meus irmãos, eu prefiro ser livre para
pensar e escolher racionalmente a minha fé, como ensina, sem impor, a Doutrina
Espírita.
Os irmãos evangélicos se foram, certamente levando
consigo a certeza de que eu não teria salvação.
Revista Espírita Allan Kardec, nº 38.
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